História curta e magnífica. Como pode uma coisa dessas?
Lixo, algo estragado, inútil, que só interessa às baratas se
tornar o desejo mais fino das crianças, o afrodisíaco dos amantes, o requinte
das casas mais nobres. Pois é seu Conde dos Viscondes, Condessa das hortências
que nunca murcham, saibam que um dia seu morango era pelo menos cocô de
minhoca. No meu caso, orgulho de ser composto de lixo orgânico vegetariano.
Vegano também não porque não sou tão radical. Vegano é um sujeito militar.
Fortemente armado de preceitos e conceitos. “Seu vegano, deixe o mundo mais
relativo. Por favor.” E agora saboreio os segundos gastos no dia a dia
separando o lixo, minutos por semana despejando o balde no buraco, no canteiro ou
no minhocário, outros minutos por quinzena revirando a terra do buraco e
algumas meia horas dos dias na terapia do jardim. Instantes que me deixam mais
leve e mais paciente. Aproximam-me do segredo do universo, da dinâmica da vida,
do mundo das formigas, lagartas, passarinhos, macacos, que me põem em lado
oposto aos cães, gatos, porcos e galinhas. Morango do quintal, fruto do lixo
orgânico, seu sabor nunca mais esquecerei.