sábado, 1 de dezembro de 2012

Tô pulando o muro no fundo do quintal


O melhor é pular o muro. Sensação de molecagem. A chave do cadeado se perdeu pelos molhos de chaves desconhecidas. Tá certo que as donas passam dizendo que eu estou errado. Só com o olhar. Pular o muro é coisa errada. Mas muita coisa errada dá certo. É como um aquário. Se lavar o tempo todo os peixes vão morrendo, adoecendo.  Os aquários de meus amigos estavam sempre sujos. Lodo verde na água e os peixes se multiplicando. Em casa fazia o recomendado, a receita. Lavar o filtro uma vez por mês. Como no aquário do dentista, os peixes não duravam 2 meses. Aquário lindo. Morte direto e constante. O lote é uma terapia das mais vivas. Um mergulho rejuvenescedor. Cada banana, cada goiaba é mais gostosa. Mesmo sendo uma ou duas. Persistência! Os vizinhos diminuíram muito o  arremesso de lixo. Encontro apenas uma ou outra lata de cerveja. Há dois anos atrás eram montes de entulho. A vida melhora. As bananeiras e flores do margaridão sensibilizam. Ia falar sobre a capina química em Ibiá, mas desisti. Peguei no flagrante os funcionários da empresa terceirizada pela prefeitura, que todo mundo sabe, manda ver no glifosato em plena luz do dia. Parei o carro e tirei uma foto do cidadão protegido com uma máscara cirúrgica mandando ver no veneno. Hilário. E o pessoal passando ao lado caminhando. "Vale a pena não." Comentei quando veio me perguntar se a foto ia para o jornal. "Tá tudo errado e todo mundo já está sabendo."

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Quintal eleitoral



Para ser um bom político comece no quintal. Diversifique, plante de tudo. Assim vai começar a entender que cada espécie é diferente. Existem aquelas mais exigentes, outras que ficam na delas, as que gostam de solo pobre, as que se não estiver tudo bem atraem pragas. Outras resistentes a tudo. Também aquelas que só de ganhar uma aguinha de vez em quando já tem o seu voto. Plantas diferentes e saudáveis em harmonia é uma tarefa complicada. Para lidar com diversidade, quantidade, tipos, revindicações, costumes.  Exige muita política. Envolvimento. O indicador principal de que tudo está bem é a saúde do próprio político. Agricultor com vigor físico, sem tosse, pigarro, espinhela caída, mau olhado, unha encravada, dor de dente, dor na coluna. Esse é o político bão. 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O drible

           Não é agricultura ou esporte. É vida. Saber evitar as ferramentas de guerra. Usar a cabeça e o corpo. E os corpos em sintonia. Como uma dança. Inspirado nas batalhas, nos jogos, na relação com formigas, pulgões, mosquitos, cachorro e com o galo do vizinho. E com o vizinho. A arquibancada treme quando um belo tomate vai amadurecendo saudável.
        Toque certo no momento certo. A bola segue perfeitamente o caminho que o mestre lhe desejou. Com seu corpo, engana o adversário, espanta os maus espíritos, deixa o zagueiro de bunda no chão e contagia as multidões com a arte da dança, do esperar, fingir, inovar, tocar com carinho e precisão magistrais. O drible encanta o coração e dá vida aos seres vivos envolvidos. Ao time adversário, a energia para se recompor e encarar mais uma vez o artista, agora com maior cuidado, mas é aí que leva mais um daqueles desconcertantes, rápido, que encerra a disputa e consagra o controle do sétimo sentido ao ser humano com mais intimidade. Aquele que tem paixão pelo que faz e domínio inconsciente faz parte do quintal do futebol. Não é a borboleta ou o caracol. Mais. Muito mais. Tem o domínio do ataque das pragas. Sabe quando ele vai acontecer. Tem o movimento preciso para o impreciso. Escuta o futuro pela umidade do ar. Sabe a posição de cada ser vivo, seu estado de espírito, como ele acordou de manhã e o que ele pretende fazer para o café. Para ele não é um jogo, é a vida. Não é apenas um campo, um gramado, um quintal de seres diversos, com aparências, idades e estilos de podas capilares. Sangue borbulhando com pressão na hora do movimento, vento a 16 nós, gosto de ar com manjericão nas papilas gustativas, movimentos e posicionamentos perfeitos, um após o outro. Um milagre da natureza. Praticamente o mestre dos magos abrindo o portal para o parque de diversões.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Como transformar lixo em morango?


História curta e magnífica. Como pode uma coisa dessas?
Lixo, algo estragado, inútil, que só interessa às baratas se tornar o desejo mais fino das crianças, o afrodisíaco dos amantes, o requinte das casas mais nobres. Pois é seu Conde dos Viscondes, Condessa das hortências que nunca murcham, saibam que um dia seu morango era pelo menos cocô de minhoca. No meu caso, orgulho de ser composto de lixo orgânico vegetariano. Vegano também não porque não sou tão radical. Vegano é um sujeito militar. Fortemente armado de preceitos e conceitos. “Seu vegano, deixe o mundo mais relativo. Por favor.” E agora saboreio os segundos gastos no dia a dia separando o lixo, minutos por semana despejando o balde no buraco, no canteiro ou no minhocário, outros minutos por quinzena revirando a terra do buraco e algumas meia horas dos dias na terapia do jardim. Instantes que me deixam mais leve e mais paciente. Aproximam-me do segredo do universo, da dinâmica da vida, do mundo das formigas, lagartas, passarinhos, macacos, que me põem em lado oposto aos cães, gatos, porcos e galinhas. Morango do quintal, fruto do lixo orgânico, seu sabor nunca mais esquecerei.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Eu sou a braboleta que pousou na sua couve

Couve, brócolis, couve-flor. Essas culturas eram até ontem um tabu. Se bem que couve flor ainda é. Exigentes em fertilidade e muitos cuidados. Sensíveis e frescas. Como uma patricinha que não fica sem seu creminho. Creminhos contra pulgões, lagartas e pílulas vitamínicas encontradas em lojas de boutiques orgânicas e inorgânicas. Eis que recebi a visita de um índio xamã chamado Vicente. Isso lá é nome de índio? Beleza. Chamado Uirutangui Apoeté. Encontrou uma planta num dos quintais e exportamos ela para o outro. Fiz um chá natural, 100% água e planta. Misturei sabão de coco e pulverizei nas benditas. Tudo aos punhados. Menos a diluição. 1 copo no regador de 10 litros. Fumo ver no que ia dar e num é que deu? As braboletas e lagartas foram para os quintais reservados aos não fumantes. Bom demais. Teremos couve logo mais. Coloquei uma placa na entrada: "fumo ali e já voltaremos em breve".

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Formas e fôrmas

         As formas que surgem no mato são impressionantes. São instintivas. A gente olha e diz "isso tá bonito. Tá bom. Agora vai." Ou diz "tá precisando mudar. Não ficou bom. Vou cortar esse galho da goiabeira amanhã". O que se diz depende do que enxergamos. Minha visão enxerga um quintal forte. Musculoso, resistente, rústico, mas também tranquilo e inofensivo. Sem causar medo da gente entrar lá. Sem plantas ou animais de briga. Peçonhentos. Paz e amor bicho. Sou do tipo magro sem briga, alérgico. Ao mesmo tempo o quintal é belo e convidativo. A uma moça. Que vai gostar de passear no mato. Sem espinhos ou cacos de vidro para cortar sua delicada tez. Ou sua testa (no caso dos espinhos mais altos).

        As fôrmas são a nossa visão pré concebida. O vizinho da direita enxerga mamona só no lixo. Para ele mamona é lixo.
A fôrma é uma garrafa pet. 

E qualquer arranjo com uma mamoneira é como uma meia suja na gaveta de gravatas de baile. Como as mamonas, bananeiras são encontradas nas beiras de rio.

Fôrma de palito sujo de picolé de chocolate. Dragão chinês. 

Proliferam em locais ricos em nutrientes, geralmente pobres em arrumação. Locais próximos aos rios. Lá tudo muda a 220 volts. É lá que a porca torce o rabo. Locais instáveis. Habitados por pessoas em situações instáveis. Cheias de problemas. Cheias de muita coisa. Locais onde chutam o cachorro depois de um dia de cão. Muito, mas muito bagunçados mesmo. A estética dos nossos olhos associa as bananeiras a isso. Confusões. Lixo, bichos, esgoto, macaco, piolho, barriga d'água, bagunça. Mas se a embalagem muda. Se o Bananal é de casa nobre, no centro da cidade  e as bananas tem amigas plantas ornamentais, aí  a bananada clean chega a competir com pêssego em caldas na sobremesa da vovó. A forma depende da mudança das fôrmas. Se o vizinho da direita subisse num banquinho para ver essas formas... Ah.! Garanto que parava de jogar lixo por cima do muro e sentava num banquinho a compor uma melodia em cortejo ao margaridão florido.

domingo, 22 de abril de 2012

Agricultura de Exploração X Agricultura de Imploração

            Sempre penso como mudar o panorama geral da nossa relação, da nossa economia através da mudança do trabalho com a terra. O panorama geral defino como um monte de gente enfrentando a pergunta "como produzir conforto e felicidade a partir da propriedade de terra, do domínio, da capacidade concedida de mandar e construir um lugar pela posse dada pelo destino?"
            A resposta que encontro numa ponta é jogando conforme o mercado. Claro. Mas... Mercado é aquela bagunça. Um monte de gente, um monte de produtos, gostos variados e opiniões diferentes. A moda prevalece. Mercado lembra Carmem Miranda com banana e abacaxi na cabeça. O mercado não é uma pessoa. É uma loucura coletiva. Pessoas, abacaxis, bananas, carros, vestidos, cachorros, poodles coloridos com gravatinha borboleta. Nossa resposta que faz mais sucesso é essa. Usando a terra do jeito que essa loucura coletiva sugere. Pepino tá valendo ouro. Produzimos pepino. Ouro tá valendo pepino. Produzimos ouro e trocamos por pepino.  E de tanto dançar nesse jogo viciante, nossa cabeça fica cheia constantemente e nossa barriga cresce. A vida passa. A moda vai mudando. Quem joga bem prospera e viaja para o Canadá, Europa, Nova Zelândia e quem joga mal vai ao psicólogo ou psicanalista, dependendo da gravidade da situação.
             A resposta da outra ponta é usar a terra para fazer terapia e economizar a derrota no jogo do mercado. Agricultura natural, olhar os passarinhos cantando e ouvir os sapos coachando. "Já que não entrei no jogo e vou perder mesmo, pelo menos economizo as sessões psico consertantes da minha cabeça". No trabalho com a terra cria-se um ambiente rico, diverso, agradável, com templos de buda e chafarizes reconfortantes. Bananeiras com frutos doces naturais. 100% naturais. Banhos gelados de cachoeira e hortas maravilhosas. Brócolis todos os dias. Ermitão isolado do mercado das bananas e abacaxis cancerígenas...
            De um lado tenho uma realidade do bolo de chocolate. Se o mercado é um conjunto de crianças mimadas individualistas, impulsivas e imediatistas, oferecemos a receita milagrosa. Bolo de chocolate e brigadeiro para acalmá-las. Enquanto tiver bolo elas estarão felizes. O lado oposto é a trouxinha de vagem. Implorar para as crianças começarem a se alimentar de coisas saudáveis, que sustentam um pouco mais e deixam uma sensação leve. Infelizmente essas trouxinhas são inicialmente indigestas a quem não está acostumado e para que elas engulam isso só com muita imploração...

domingo, 1 de abril de 2012

Hora de baixar o mato.

Uma coisa é sempre uma grande dificuldade para as pessoas que gostam da agricultura orgânica, natural, ecológica, agroflorestal, etc.. Essa coisa é a hora certa de baixar o mato no quintal. O culto à natureza, gloriosa mãe, divina provedora de benditos frutos, mãe dos passarinhos, grilos, borboletas, esquilos, macaquinhos e porcos espinhos, enfim, essa supervalorização verde dificulta o homem e a mulher a vencerem a inércia e mudar tudo com suas mãos. Pegar na enxada, foice, facão, moto serra, roçadeira, trator, correntão, pulverizador e "pimba na chulipa". Como dizia o pensador Gabriel "Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura. Na mudança do presente a gente molda o futuro." Sim. O ser humano é capaz de mudar tudo. E com pequenas ferramentas ou grandes, podemos fazer grandes artes ou grandes estragos. Nenhum permanente. Nem a morte é eterna. Todos os estragos e ganhos são facilmente calculáveis. A capacidade de regeneração, a força do mato, a necessidade dos nossos filhos, a gente calcula com a cabeça no coração. Ou coração na cabeça. Certo é que a gente é capaz de calcular. Os 20, 30, 80 por cento. 10, 15 ou 30 metros, são apenas indicadores da força de tração. Da mão, do motor, do reagente. Da capacidade de eliminação ou introdução. A hora e a altura do mato no quintal dependem do cheiro, do som, da insolação, da lua, do tempo e da disposição. Dependem dos insumos, do canto do sabiá. No quintal, eu vejo essa hora se aproximar quando tudo parece parado. O movimento é claro e bem vindo. Certeza de nenhum espinho no meu caminho. Nenhum porco, espinho. E logo a terra está lá, no cio. Cheirosa. Perfumada. Nenhum arranhão importante. Todos salvos. Viva. Plantio.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Novo ano, novas visões

Ano astrológico. Lógico que algo vai mudar. Aviões despejando metros cúbicos de calda agrotóxica na roça. A neblina úmida refresca os poucos transeuntes, que não dispõem de pickups com ar condicionado para atravessar  o mato, ou melhor, as estradas de terra sem mato. O volume tá alto demais. Baixa o som para não acordar o bebê. Baixa essa fumaça também. Por obséquio. Olha a fumaça de cigarro no recinto público! Sobrarão os gafanhotos, baratas, macaés, pombos, ratos, urubus, o submundo da zona rural. Entre eles estará o tio Zin. Grande Zin. Ilustre mestre agroecológico. Rasta Zin, senhor permacultural! Que sabe tudo das construções, plantas rústicas e medicinais. Escoteiro desde feto. Entendedor das grandes mazelas nas janelas das casinhas amarelas. Grande conhecedor do ilustre e magnífico "conhecimento popular tradicional". Leite de égua para coqueluche. Os dentes na enxada. Sem insumos, sem documento. Sem conflito. Tio Zin vai fundar o movimento dos sem insumos. MSI. MST morreu. Istoé: Zin salabim! E a manifestação política radical, do PTZ, partido dos Tio Zins, vai criar o conselho fiscal das lavouras lavourentas. Lavou eu me associar. Ganhar boné e camiseta. Formar minha certificadora de produtos harmônicos. Flauta doce ou salgada? Quem vai? Três por 10 na promoção. 2012. Seja bem vindo.