sexta-feira, 13 de maio de 2011

Lote agroflorestal em Ibiá: o processo de regeneração.

Lote sendo preparado para plantio em setembro de 2010

A história do lote que motivou esse blog, com a exposição de pensamentos e reflexões sobre a agricultura de uma forma íntima e pessoal, faz parte da história de Ibiá, da história da agricultura e da minha história.
Calma! Não vou descrever um compêndio sobre essas histórias estilo Wikipédia, ressaltando a colonização do Brasil, como fato histórico primordial no entendimento da conjuntura sócio econômica atual e colocar a culpa nos portugueses por todas as desgraças do nosso país. Pode deixar que vai ser uma história tranqüila de ler.
Ibiá é uma cidade espaçosa. Grandes lotes na cidade e grandes terras no município, que foram passando de pais para filhos junto com o modo de tratar essas terras de modo extensivo. Queimadas e desmatamento, exploração e desbravamento, feito por poucos homens duros, fortes e valentes, mas que também tinham uma sensibilidade fraternal com a família. Sentimento que para mim vem do leite. A amamentação acalma o ser humano. Ibiá, terra do leite e queijo. A relação com os bovinos deixou as pessoas da região mais sábias e calmas. Aprenderam a serenidade dos grandes mamíferos das pastagens. Às vezes, tenho a impressão de ver pessoas ruminando numa sombra de árvore ao entardecer.
E a cidade, ao contrário das roças de Ibiá, é rica em árvores. A maior concentração de árvores é a floresta urbana de Ibiá. Os cidadãos urbanos valorizam e sentem falta das árvores que foram cortadas nas praças. A principal função do CODEMA (conselho de meio ambiente) é a responsabilidade de dar o veredicto quando alguém pede permissão para cortar mais uma delas. E quanto às árvores da cidade, todos tem apego como um membro da família. Já estou falando demais. O importante é que com esse manejo extensivo, aprendendo a formar pastagens para os bois, o Ibiaense, de modo geral, desenvolveu um olhar de rebanho sobre a natureza. Um olhar geral para o horizonte e uma mão pesada como um trator.
A história da agricultura, que encontrou essa história de Ibiá, foi a história da desvalorização da cultura local. Que cultura? Ainda não sei, porque mal conheci. A história da agricultura de exportação, das monoculturas e da balança comercial favorável atropelou tudo. A história do agronegócio. Desmatamento, uso intensivo do solo, impediu a terra de respirar sua última capacidade de regeneração. Fertilizantes sintéticos, agrotóxicos e desertos verdes de eucalipto mascarando a degradação.  Solidão nos campos e cidades marcadas pelas desigualdades sociais. Fazendeiros na parte antiga e trabalhadores braçais na periferia. Crack pegando.   
Onde eu entrei nisso? No lote. Espaço que sobrou para mim. Aparentemente, o bagaço da laranja. Um lote “sujo”. Cheio de entulho e lixo. Um lote mal tratado a herbicidas e queimadas. Só quem resistia bravamente, e foi meu maior ajudante até hoje, era um capim forte e resistente a seca. Ainda não identifiquei sua espécie, mas já peguei intimidade e o chamo de tifton bravo. Esse capim cobria a terra e mantinha a vida no lote e, por isso, era chamado de praga. Vê se pode! Goiabeiras castigadas, uma grande sibipiruna morrendo e duas mudas de mamona bem pequenas, afogadas no capim, como se escondidas para fugir do fogo e dos herbicidas.  
Minha história, foi que fui criado em apartamento sem espaço. Desenvolvi, em consequência, uma visão de vaso de planta, aquário e hâmster, ao invés da visão de rebanho de bois. Criei um apego pessoal a cada plantinha e bichinho. Criei paciência para catar cada caco de vidro e cada latinha de cerveja jogada no lote. Especializei em remediar a sujeira da falta de cuidado, de quem tem muito espaço e, por isso, consegue fugir do monte de lixo que ele mesmo vai criando. Por isso me dei bem com o lote.

Cheguei de Viçosa, cheio de sementes e gás para difundir a agrofloresta e criar sistemas produtivos baseados no carinho e no cuidado e me deparei com a solidão nas roças, pulverizações aéreas, muito boi, café, milho, feijão, soja e eucalipto. Não encontrei a minha turma. Restou minha pequena família naturista espiritualista, que também vê coisas sagradas num rio, numa planta ou em uma formiga. Voltei a me sentir com pouco espaço, mas agora num lugar espaçoso. O lote foi minha terapia salvadora e meu maior feito até então. Recuperei uma área de terra na zona urbana com meus conhecimentos, sementes, enxada, enxadão, facão, alegria e boa disposição.Essa foi a empreitada.

Agradeço ao capim forte e a deus, que me disponibilizou tempo e disposição para ter esse grande aprendizado da regeneração natural. Deixei milho e goiaba para as maritacas, lagartas, percevejos e outras pragas sagradas da agricultura. Louvei o feijão de porco, as favas e feijões que foram cobrindo a terra. Fiquei mais forte com a musculação das capinas diárias no preparo para o plantio. Desenvolvi muitas teorias sobre os consórcios de quiabo, fava, feijões variados, milho, mandioca, cará do ar, margaridão, mamona, abóboras, bucha, crotalária, manjericão, lobrobró, capim cidreira e capim citronela. Colhi muita abóbora e agora estou caprichando nos caminhos para o lote ficar visitável ao chinelinho.

Estou gastando muita saliva com os vizinhos tentando explicar as funções de todo esse mato, margaridão, mamona, capim, feijões e favas. A paisagem que criei é maravilhosa. O foco e o jeito de olhar é que precisam ser mudados. É como aquele livro em 3D, que depois que se pega a manha de olhar profundamente, envesgando a vista, o livro passa da última prateleira para a mesinha de centro da sala de visitas.

Um comentário:

  1. Nossa Felipe que ótima idéia este blog, vai bomba! Vamo divulgar ele em Viçosa! Quando posso postar meu quintal também?

    Tudo de bom pra vocês aí!! Lucas Apêti

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